sábado, 12 de dezembro de 2020

Pra começar...

Olá! 
Vou começar contando como descobri que era portadora de retinose pigmentar...

Desde criança, sempre tive uma certa dificuldade de enxergar, mas, como a maioria das pessoas, achava que era normal, afinal eu tinha astigmatismo (2,50) e miopia (1,70) - um valor relativamente baixo.
Eu vivia tropeçando em tudo e sempre associava este fato à miopia, mesmo porque eu quase nunca usava os óculos! Cá entre nós, nenhuma criança gosta de usar óculos, salvo nos primeiros dias (que ainda é novidade)!
Enfim, sempre considerei a ideia de que eu era desastrada mesmo! O fato é que, quando eu era criança, costumava brincar com meu irmão de "adivinha quantos dedos tem aqui". Brincávamos, geralmente, no escuro. Cada um levantava a mão e o outro dizia quantos dedos o outro estava mostrando. Eu ficava impressionada como o meu irmão acertava todas! Na verdade, o jogo de adivinhações era só para mim, pois meu irmão enxergava tudo! 
Foi aí que fui, aos poucos, descobrindo que eu não enxergava direito no escuro... Desde então, eu entrava em pânico toda vez que acabava a luz!
Estudava no período vespertino, então na hora da saída já estava escuro... De vez em quando acabava a energia na escola e eu ficava desesperada! Ficava quietinha no meu canto, enquanto a sala inteira fazia festa porque tinha acabado a luz! Eu ficava com medo de alguém pegar minhas coisas e eu não ver! rs - pior de tudo: isso acontecia com ou sem luz e eu nunca percebia!
Enfim, um dia, em uma aula de biologia, a professora comentou sobre as consequências causadas pela falta de vitamina A. Uma delas era a "cegueira noturna". Daí a primeira coisa que me passou pela cabeca foi: "é isso que eu tenho!".
Mal sabia eu que era só o começo de uma looonga jornada em busca do meu verdadeiro diagnóstico! 
Bom, cortando um pouco a história, senão ela vai ficar muito longa, mais ou menos aos 17 anos, quando eu já tinha acesso fácil à internet, resolvi pesquisar sobre o assunto. Dentre as doenças pesquisadas, a que mais se enquadrava nas minhas características, era a Retinose Pigmentar.

Uma breve descrição do que é a Reinose Pigmentar:
Uma doença de origem genética, que ao longo dos anos progride lentamente, degenerando a retina. Atinge primeiramente a visão noturna, depois a visão periférica (lateral) e, por fim, a visão central. 
Claro que cada caso é um caso, e existem vários tipos e graus de retinose pigmentar. Conheci alguns casos de pessoas que na minha idade (30 anos) já eram completamente cegas.
 Atualmente, não existe um tratamento que "cure" essa doença. Entretanto, pesquisas envolvendo células-tronco nos fazem ver uma pequena luz no fim do túnel. A pesquisa não envolve a cura, mas sim a estagnação da RP.
Ainda não descobri de quem herdei a doença, mas tudo indica que sou uma mutação! rs


O que eu enxergo:
No escuro, nadinha de nada!
Durante o dia e em locais iluminados, não vejo detalhes do tipo: a cor dos olhos de quem está conversando comigo.
Não vejo degraus, meu campo visual é bem reduzido. 
Se olho para cima, não vejo o que está embaixo e se olho para baixo, não vejo o que está em cima! A visão periférica também é bastante limitada.
Se eu estiver andando e aparecer alguém na minha frente, levo um baita susto! Vira e mexe, vocês vão me ver pulando para trás!
Algumas cores eu já não identifico mais - não sou daltônica, caso isso tenha passado pela sua cabeça.
Eu sei exatamente o que é vermelho, azul, amarelo, as cores do arco-íris, etc...
O que eu não identifico nas cores são as tonalidades próximas, por exemplo: às vezes, confundo um cinza bem escuro com um preto, ou um preto com azul-marinho, ou um tom de vermelho com laranja, ou bege escuro com marrom...
Outro dia minha cunhada apareceu com uma cachorrinha labradora e eu disse: "Que linda! Vem cá pretinha!" 
Detalhe: a cor da cachorra era chocolate... Mas calma! Vou explicar: ela estava na sombra! Entenderam qual a minha confusão de cores? Depois, quando ela foi para o sol eu vi a cor dela direitinho... Isso me faz lembrar que não devo dizer o que acho que estou vendo, porque quase sempre o que vejo nunca é o que realmente é... Coisa de doido! rs
Isso faz parte da retinose, pois minhas células da retina estão degenerando, então é como se ficasse tudo desbotado! As células mais prejudicadas são as fotorreceptoras, por isso não enxergo no escuro. Imaginem uma televisão de tubo e uma full HD: eu sou a de tubo e mal sintonizada!
Ah e também tenho dificuldades para enxergar quando há contrastes de ambientes - do claro para o escuro e vice-versa. Tenho que esperar uns minutos para a visão voltar ao normal...



Voltando à história...
Decidi, então, procurar minha oftalmologista e perguntar se o que eu tinha era retinose pigmentar. 
Foi aí que comecei a descobrir o despreparo dos médicos em relação à doença. Eles sabiam o mesmo, ou até menos, do que eu!
Deixei esse problema um pouco de lado e continuei vivendo a minha vida, afinal,  já tinha me virado bem sozinha até aquele momento...
Aos 19 anos, quando comecei a trabalhar registrada, um dos benefícios que recebia era o plano de saúde, então resolvi usufruí-lo e correr atrás dessa história de novo! 
Até então, eu só tinha um palpite no qual, por ventura, havia descoberto sozinha pela internet e ninguém me esclarecia o que realmente era!
Passei por vários médicos e a frustração foi sempre a mesma... eles sabiam muito pouco da Retinose e nem ao menos sabiam diagnosticá-la. Só sabiam que tinha alguma coisa de "errado" com a minha visão. Pareciam ter medo de dizer algo concreto, como se nem soubessem o que era... Ou tinham receio de dizer que eu tinha uma doença grave e sem cura, sei lá! 
Cheguei até a ir ao Hospital das Clínicas, achando que algum médico de lá fosse mais competente, mas infelizmente não obtive resultados. Aliás, foi o pior médico que já fui!
Quando eu disse a ele que eu achava que tinha Retinose, ele começou a tremer e nem sabia o que dizer! Examinou, examinou... Quase fiquei cega de tanta luz q ele jogou nos meus olhos! Foi a primeira vez que fiquei sem enxergar absolutamente nada na minha frente depois de um exame de fundo de olho! 
Ele terminou de examinar e simplesmente mandou eu sair da cadeira e sentar em outra! Nem se preocupou em me guiar! Sorte que meu marido estava lá e segurou minha mão!
Ele parecia tentar se recordar o que era a Retinose... Deve ter sido uma daquelas aulas em que ele dormiu!
Imaginem minha frustração... Esperei horas para ser atendida, para no final perceber que o medico não tinha ideia do que era a retinose, a não ser o fato de que era uma doença sem cura. Ele até gaguejava! Minha vontade era de falar para ele que eu já sabia o que era Retinose e que só queria saber se o meu diagnóstico era aquele.
Cada vez que eu ia ao médico, uma tristeza me consumia...
Certo dia, fui a um consultório que disseram ser muito bom, que a médica fazia pesquisas no exterior e tal, mas quando tentei marcar uma consulta, ela so tinha horário para uns 3 meses adiante... Como eu tinha que trocar as lentes dos meus óculos, resolvi marcar na mesma clínica, só que com outra médica. Outra frustração: ela me receitou a lente errada e tive que ir ate lá reclamar! Mas será que ninguém sabe fazer nada direito ou eu que tenho azar?
A minha sorte foi que era final de expediente e quem estava lá? A tal médica da agenda super-hiper-lotada, que, diga-se de passagem, era a dona da clínica. Ao ver que uma de suas funcionárias havia cometido o erro de me prescrever as lentes erradas, ela resolveu me atender pessoalmente! Eis que vem o diagnóstico: foi a primeira pessoa que disse que eu tinha retinose pigmentar sem que eu tocasse no assunto! Conversamos e ela parecia entender bem do assunto. Pediu exames detalhados e ela mesma marcou um retorno, ou seja, não precisei esperar os 3 meses!
Fiquei feliz por ter encontrado uma médica que sabia do assunto, porém ela mesma disse que não poderia fazer nada além de acompanhamento do progresso da doença...
Mesmo assim, fiquei mais tranquila ao saber que minha busca por uma oftalmo de confiança havia se concretizado ali!
Depois disso, tive que me ausentar... Fui morar no exterior e fiquei aproximadamente uns 3 anos sem acompanhamento...

Bom, acho que escrevi demais e creio que ninguém tenha paciência de ler tudo isso. 
Obrigada e até a próxima!